Hoje vou descrever a minha jornada de 17Km em 24 horas entre as abandonadas estações ferroviárias de La Fregeneda (Salamanca, Espanha) e Barca D'Alva (Figueira de Castelo Rodrigo, Portugal). A Linha Internacional, que ligava Portugal e Espanha foi inaugurada em 1887, é uma incrível obra da engenharia ferroviária particularmente o troço de Barca d’Alva a La Fregeneda. Na altura, para concluir esta ligação, foi necessário escavar 20 túneis na rocha e construir 13 pontes com o objetivo de vencer os 300 m de desnível ao longo dos 17 Km do troço. Foi encerrada, quase 100 anos depois da sua inauguração, em 1 de Janeiro de 1985 pelo governo espanhol que encerrou o troço do seu lado da fronteira. Esta obra de arte ferroviária permanece totalmente abandonada até aos nossos dias. Somente caminheiros, geocachers e aventureiros no geral, que procuram a adrenalina de vencer pontes em estado precário, se arriscam neste local tão inóspito com características de montanha.
Há muito que queria fazer esta caminhada, fascinava-me percorrer quilómetros e quilómetros numa zona que tem tanto de agreste como de belo, indo de um abandono a outro sem precisar de nada mais que o meu corpo e uma mochila nas costas. Assim, depois de adquirir todo o equipamento que achei que iria precisar e de semanas de ansiedade para por pés ao caminho, lá arranquei com os meus destemidos companheiros de aventura numa noite de lua cheia com destino à localidade fronteiriça de Barca de Alva (só para não escrever sempre da mesma maneira).
Andámos cerca de um mês a estudar as imagens de satélite e a ler tudo quanto era informação que pudesse ser pertinente para a nossa jornada. Sendo Agosto e com 30º previstos, optámos por ir na noite anterior para Barca D'Alva de forma a sermos transportados bem cedo para La Fregeneda e podermos, finalmente, dar início à Rota das Pontes e Túneis. O acampamento foi montado mesmo junto à velha estação que daí a dois dias seria o destino final da nossa expedição. No dia seguinte, para irmos até Espanha ligámos antecipadamente ao Sr. Alfredo que, estando mais que habituado a estas coisas, logo nos disse o local onde nos deveríamos encontrar e por quanto ficaria o serviço. O Sr Alfredo além de nos transportar por um preço aceitável (20€), durante a viagem, ainda nos brindou com algumas "estórias e segredos" que tornaram esta viagem de 15 minutos num tirinho que pareceu durar 1 minuto.
ETAPA I
Objetivo: | 11 Km | La Fregeneda > Acampamento Alfa
Partida: 10h00 | Chegada: 17h30
Chegados a La Fregeneda, aproveitámos para investigar a abandonada estação Espanhola e também para comer qualquer coisa (daqui para a frente estamos por nossa conta). Aqui, tivemos a oportunidade de constatar o contrário do que afirmam a maioria dos exploradores Portugueses. É comum ouvir-se dizer (principalmente pelos recém chegados a este mundo da exploração) que "Só mesmo em Portugal, é um país terrível deixa todo o seu património degradar-se e não fazem nada para o evitar..."! De facto, em Portugal isto acontece (podia discutir os porquês, mas fica para outra altura que esse assunto tem pano para mangas) mas também acontece em Itália, na Alemanha e um pouco por todo o mundo, até mesmo em Espanha. Pois é, no país de nuestros hermanos apesar de a linha ter sido classificada como Património Nacional Espanhol, a estação de La Fregeneda continua no completo abandono.
Estando todos devidamente prontos, colocamos as mochilas (cada uma com +/- 20 Kg) às costas e damos início à jornada! Logo após 500 m de caminhada surge o primeiro túnel e logo o mais extenso de todos, o Túnel de la Carretera com 1,6 Km parece infindável e não é a forma mais animadora de começar a jornada. São cerca de 20 a 25 min (sem morcegos) a andar em bom ritmo, depois deste túnel todos os outros se tornam mais curtos.
Confesso que a ideia de atravessar túneis cheios de morcegos não me seduzia muito mas, sendo Agosto e estando um calor sufocante, os túneis funcionaram tipo estação de serviço e permitiram-nos ir fazendo as pausas necessárias para hidratar e retemperar forças. Embora estivessem cerca de 30º, a sensação térmica de quem vai com mochilas pesadíssimas a andar sobre pedras que estão todo o dia ao sol é prai de 40º, por isso foi tão importante o papel dos túneis. Além disso, os morcegos não incomodam nada desde que não os incomodem. E não, o cheiro do Guano (excrementos de morcego) embora intenso não é nada por aí além.
Ao chegar à primeira ponte sinto um "frio na barriga", a travessia tem de ser feita por estreitas vigas nas laterais das pontes (ao longo de todo o percurso), como auxilio um titubeante corrimão a cerca de um metro da viga. As pontes metem respeito e, na minha opinião, são o mais difícil obstáculo para o cumprimento do objetivo inicial mas com prudência atravessam-se de forma bastante fácil.
Exemplo de viga na ponte "del Pollo Valiente" (136 m de comprimento a 24 m de altura) na foto à esquerda. E o "descanso dos guerreiros" na sombra de mais um túnel à direita. |
Com o passar dos Kms é impossível ignorar a fantástica paisagem que este autêntico miradouro com 17 Km para o Vale do Águeda nos oferece. É um passeio lindo que permite observar a natureza no seu estado mais puro. Depois da paragem para o almoço onde fizemos uma refeição ligeira (sopa instantânea) e tendo umas águias por companhia, lá arrancámos para mais uma série de pontes e túneis até chegarmos ao local definido para montar as tendas.
Finalmente, depois de horas e horas a caminhar debaixo de um calor insuportável que nos fez parar de meia em meia hora para repor líquidos, lá chegamos ao destino pelas 17h30.
Estando naturalmente muito cansados e suados decidimos descer a encosta até ao Rio Águeda para tomar um banho e se possível montar acampamento. A descida, já tínhamos visto no maps, tinha cerca de 1 Km e era a quase a pique mas a vontade de tomar banho era enorme e todos concordamos em descer. Depois do banho tomado, tentámos encontrar um sítio para montar a tenda mas, além de o piso ser todo muito irregular sabíamos que quanto mais próximos estivéssemos do rio mais insectos teríamos. Assim, em conjunto decidimos voltar a subir tudo novamente para podermos ter uma noite tranquila num sitio plano. Foi o pior quilómetro da minha vida, além do cansaço acumulado, a inclinação da subida é incrivelmente acentuada e depois de já ter tomado banho e estar convencido que poderia descansar, ter que subir tudo aquilo foi psicologicamente devastador (já sabem, se quiserem acampar nesta zona e fazer o percurso até ao rio escondam as mochilas lá em cima e levem somente o necessário lá para baixo, vai facilitar bastante no regresso). Chegados lá acima e antes que o sol se pusesse, uns dedicaram-se a preparar a refeição e os outros montaram as tendas. O cansaço nesse dia foi tão grande que ás 22h já todos estávamos a dormir.
Objetivo: | 6 Km | Acampamento Alfa > Barca D'Alva
Partida: 7h00 | Chegada: 10h00
O amanhecer visto do acampamento. |
Depois de uma noite em que não me lembro de alguma vez ter dormido tão bem, acordar no meio da natureza com uma vista destas é qualquer coisa única. Ás 7h arrancámos rumo a Barca de D'Alva para a etapa final da nossa jornada na rota das Pontes e Túneis. Logo a começar e para abrir a pestana, nada como atravessar a ponte mais difícil de todo o percurso, a Ponte de Arroyo del Lugar do cimo dos seus 169 m de altura permite um vislumbre paisagístico ímpar.
Ponte de Arroyo del Lugar |
Daqui para a frente foi sempre a fundo, aproveitando o fresco da hora lá fomos ansiosos para terminar esta última etapa. Os túneis e as pontes já eram "piece of cake" e o segundo dia foi muito "soft" comparativamente ao 1º. Depois de quase 3 horas de caminho a Ponte Internacional (com 185m de comprimento e toda ela já em metal) estava ali para nos permitir a entrada em Portugal e anunciar o fim desta aventura.
Na velhinha estação de Barca D'Alva já nada está acessível, tudo foi emparedado! Pena é que só o tenham feito depois de já tudo estar destruído e nada tenha sobrado daquela que foi uma das mais importantes portas de entrada no nosso país. Não sou a favor da destruição dos locais, bem pelo contrário, mas acho que se é para emparedar façam-no quando ainda há algo mais a preservar do que paredes graffitadas... Como eu sou um contestatário que acha que as suas ações influenciam o mundo, como forma de protesto, fotografei só o nome da estação na parede!
Esta estação dava um Hostel tão fixe... |
Os quatro aventureiros. |
Se pretendem ir fazer este percurso que classifico com um grau de dificuldade médio dentro dos mesmos moldes, aconselho-vos a levarem muita água, comida de concepção fácil, protetor solar e baton, roupa confortável, frontal e uma máquina fotográfica.
IMPORTANTE: Levem só o indispensável, deixem-se de romantizar a aventura e deixem o livro, o perfume e essas paneleirices em casa. A mochila não se leva sozinha, são vocês que vão ter de a carregar. Leiam os conselhos dos gajos batidos nestas expedições de montanha, procurem na net o que devem levar e como acondicionar as coisas na mochila. E lembrem-se nunca levem mais que 1/4 do vosso peso nas costas, essa regra é "d'ouro" ;)
Vale muito a pena, apesar de ser longe, é um passeio fantástico e se não for para isto quando é que irão àquela zona do país? Aconselho a toda a gente, será uma experiência que nunca irão esquecer, principalmente se ficarem para dormir na montanha.
Equipamento utilizado para a reportagem:
GoPro Hero3 Black Edition;
Canon EOS 450D 18-55mm;
iPhone 5.
Documentário sobre a linha do Douro exibido na RTP2 em 02/01/2015
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